quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Livro: A criança mal amada


Conversava com uma amiga sobre o fato de haver muitos artigos sobre o pai ausente. Nesta oportunidade foi que conheci o conto de Guimarães Rosa – A terceira margem do rio. Fiquei encantada com a beleza e a densidade do texto. Em nossa conversa, ficou evidente que existia quase nada falando de mãe ausente. Daí veio-me a curiosidade de procurar sobre o assunto. Encontro um livro que me subsidia com suas fundamentações teóricas em muito daquilo que eu procurava.


*O livro é:

A criança mal amada – estudo sobre a potencialidade melancólica – Maria Lucia Vieira Violante.

Sinopse: A obra coloca a psicanálise a serviço do campo social. O livro analisa crianças que, através de suas mães ou substitutos, recorrem ao serviço psicológico. A autora chega a uma conclusão importante e audaciosa ao propor o conceito de potencialidade melancólica.


O livro é fruto de estudo de caso usado pela autora quando de sua defesa de doutorado. Todo trabalho estrutura-se no fato de numa situação de abandono materno, combinado ou não com o abandono paterno, em que a criança não desenvolve uma melancolia completa e sim o que a autora denomina de “potencialidade melancólica”.


Lucia Violante promove um debate entre Piera Aulognier e Freud em que o tema é o narcisismo que dará sustentação à sua fala integrando atendimentos clínicos, a realidade social e familiar das crianças envolvidas, proporcionando assim o conceito de potencialidade melancólica.


Segundo Lucia embora a violência e a miséria estejam presentes na vida dessas crianças não são esses os motivos diretos que justificam a ‘potencialidade melancólica’ pois ocorre a rejeição velada em famílias com condições sócio-econômicas satisfatórias.


A potencialidade melancólica ocorre por vários fatores: constitucional, disposicional e advindo de experiências de vida na infância.


Maria Lucia foca sua análise em casos onde há perda prematura do amor materno (por rejeição ou morte) que provoca uma desqualificação do narcisismo infantil.


Vale esclarecer que o narcisismo é o amor a si, já o amor materno leva a criança a investir no próprio Eu para depois investir no Eu do outro.


O desejo da mãe pelo filho faz surgir o narcisismo do filho que o introduz na ordem da sexualidade, que mais tarde deverá ser transformado pela função paterna.


“A mãe introduz o bebê na ordem da sexualidade, através da erogenização do seu corpo biológico, que o transforma num corpo erógeno.”


A rejeição materna desqualifica o filho, impedindo o auto investimento no Eu. Se a mãe recusa dar prazer, a criança acredita ser desprovida de atributos desejáveis. O primeiro objeto de amor, a mãe, que é o primeiro representante do outro será o protótipo de todas as relações posteriores. A mãe instaura o desejo, ao pai cabe estruturá-lo. O desejo da mãe representa o suporte identificatório, assim como o desejo do pai de ter filhos e por aquele filho desempenha papel importante na construção psíquica da criança. Será a mãe sua primeira proteção contra ansiedade (que deverá ser substituída pelo pai).


A função paterna relativiza o narcisismo e o introduz na ordem do simbólico pela castração. Para a construção psíquica haverá a construção e a eleições das idéias (função do pai).


Quando acontece, da criança, além de não ter a quem ou por quem renunciar (não ter a mãe), a ausência do pai aprofundará seu vazio e estando impedida de referências, de modelo de identificação, não se estabelecerá a função de proteção e de interdição. A função paterna permitirá a criança, a aquisição de uma identidade sexual e um destino sexuado.


Entendo assim, que é necessário que se tenha primeiro uma mãe e na seqüência um pai. Faz-se necessário dizer que a função do pai transcende a sua própria presença. Ao mesmo tempo é considerada necessária a presença do pai da criança, ao lado da mãe, a quem ela dedica sentimentos positivos.


Apesar de a autora dedicar seu estudo a criança isso ajudará na compreensão do adulto e seu comportamento.


Lucia cita Aulagnier para dizer que ser mãe implica em: amar a criança, ter realizado a repressão da própria sexualidade infantil, estar de acordo com o fundamento do discurso cultural acerca da função materna e devotar sentimentos positivos em relação ao pai da criança, ao seu lado – um Outro que seja ponto de apoio para seu Eu e suporte de investimento.


Em outro momento Maria Lucia ao contrapor as idéias de Freud com as de Piera Aulagnier constata que a criança se pergunta de onde ela própria vem antes de formular a pergunta explicitamente “de onde vem as crianças?” As questões de sua origem lhe colocam possíveis respostas: venho do desejo, do ódio, do acaso, da indiferença ou do acidente biológico. Ainda dentro da mediação dessas idéias, Lucia fala que o prazer é entendido, pela criança, como desejo do outro de reunificação e de dar prazer, e que todo desprazer é entendido como desejo do outro de rejeição, de recusa de prazer. Conclui-se que essa relação vista como ato de amor, é unificadora; no caso contrário, será odiante, hostil e destrutivo.


A autora ainda faz considerações acerca da melancolia e da mania por esses aspectos estar presente nos sujeitos do estudo. Os sujeitos são três meninos que possuem em suas histórias de vida o abandono materno (com e sem abandono paterno), ela usa como contraponto um quarto caso de uma menina, que apesar da violência da relação incestuosa sofrida pela criança o auto-ódio não se apresenta, mas sim conflitos de desejos. Essa criança apesar de tudo apresenta auto-estima e ao final do seu acompanhamento, todas as funções (corporais, psíquicas, objetos de sua relação com os outros) encontravam-se investidas.



“Na potencialidade melancólica o sujeito apresenta baixa auto-estima; suas defesas não são acionadas para proteção de sua auto-estima, mas sim para tentar instaurá-la, e via de regra, sem sucesso; e, mais, trata-se de pessoas absolutamente dependentes do outro.”



7 comentários:

  1. Jaque, muito legal seu texto, extraimos dele a impotância de ser amado desde os primeiros minutos de vida, isso determinará a qualidade do amor que será exigido por nós na maturidade. Bj

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  2. Fico assustada ao constatar o quanto que isso é sério e que segundo a autora, pode ser amenizado, mas haverá sempre os efeitos enraizados na pessoa pelo resto da vida, mesmo se forem trabalhados.

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    1. COM CERTEZA,QUANDO VC SOFRE REJEIÇAO DENTRO DA FAMILIA PELA MAE NA INFANCIA,EM RELAÇAO A PREFERENCIAS ENTRE IRMAOS,FICA DIFICEL PARA ESSA CRIANÇA SER UM SER K TENHA AUTO ESTIMA.ISSO PODE DESTRUIR,É CRUEL!

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  3. O menino é benéficamente castrado pelo pai. Contudo se a mãe fica sem a companhia do marido (o pai do menino), esta poderá continuar a castração realizada pelo pai indefinidamente, chegando à via da mutilação do pobre órfão. Ser o pai rude com o filho é natural. Quando a rejeição contamina a mãe o desastre para este filho é terrível.

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  4. Obrigada pelo comentário caro anônimo.
    Só teria que ressaltar que não é natural um pai ser rude.

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  5. O pai sempre vê o filho como rival e instaura a lei no menino (castração em relação à mãe, o que é normal e benéfico), mas se o pai rejeita também a mãe, surge nela também rejeição ao filho e o desejo não declarado de destruir o filho. As consequências são concretas, com mutilação do menino e até mesmo o assassinio. Que ninguém se iluda com "amor de mãe" tão alardeado. O pai querer destruir o filho é natural: é um rival, mas o amor de mãe, tão falado, pode virar ódio quando esta mãe é rejeitada pelo pai do menino.

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  6. Anônimo,

    Sem sombra de dúvida as suas considerações são procedentes sob todos os aspectos.
    Como falo no texto, o livro aborda a ausência materna, que pouco se fala ou nunca é falada. Já a ausência paterna, essa é muito comum, por vezes ela existe mesmo coabitando.
    O livro é realmente emocionante! Recomendo!

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